DiscoverScience on Player FMFloresto do Miombo: "A única solução é parar com o uso dos fósseis” - Ciência
Floresto do Miombo: "A única solução é parar com o uso dos fósseis” - Ciência

Floresto do Miombo: "A única solução é parar com o uso dos fósseis” - Ciência

Update: 2024-09-30
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O chefe de Estado de Moçambique, Filipe Nyusi, anunciou a angariação de “mais de 500 milhões de dólares”, durante o diálogo de alto nível sobre a Iniciativa do Miombo, floresta que abrange 11 países da África austral, que decorreu na semana passada, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. A directora da organização Justiça Ambienta, Anabela Lemos, alerta para o facto destes fundos se basearem em créditos de carbono e sublinha que a única solução “é parar com o uso dos combustíveis fósseis”.

O executivo moçambicano, que lidera o projecto, disse que estes fundos serão aplicados no mapeamento e recuperação das regiões mais afectadas pela desflorestação, bem como a monitorização de projectos capazes de gerar rendimentos alternativos à exploração florestal.

A directora da organização Justiça Ambienta, Anabela Lemos, alerta para o facto destes fundos se basearem em créditos de carbono e sublinha que a única solução “é parar com o uso dos combustíveis fósseis”.

RFI: O chefe de Estado de Moçambique, Filipe Nyusi, anunciou a angariação de “mais de 500 milhões de dólares. Não é a primeira vez que são anunciados fundos para a protecção da Floresta do Miombo. O que tem estado a ser feito?

A directora da organização Justiça Ambienta, Anabela Lemos: Andamos a tentar ver no terreno como é que está a situação, mas tem sido muito difícil termos uma informação.

Quais são as dificuldades, vêm de quem?

No terreno não vemos o que esperávamos em termos de reflorestamento, pelo menos na questão dos mangais. Quando pedimos informação é muito escassa e tudo o que conseguimos chega-nos através dos órgãos de comunicação ou está na internet.

Consideramos que não é com milhões de dólares que se vai resolver este problema [ protecção da Floresta do Miombo]. A principal preocupação da sociedade civil e das organizações, em Moçambique, é o recorrente corte ilegal de árvores e os crimes ambientais, sem que haja um controlo dessas situações.

Será muito difícil aplicar este dinheiro se não houver uma estrutura, ou competência para canalizar [este fundos] e fazer o que está certo.

As autoridades afirmam que este dinheiro será aplicado no mapeamento e na recuperação das regiões mais afectadas. Se diz que não é possível ver o que está a ser feito terreno, como é que as autoridades vão justificar -diante dos doadores- que vão avançar com estas medidas?

Os exemplos que temos até agora mostram que não conseguimos ver aquilo que dizem os responsáveis. Mas, além disso, a nossa maior preocupação é que muitos destes fundos são baseados em créditos de carbono. Ou seja, estamos aqui a dizer que vamos resolver e minimizar os impactos do clima, mas fazemos disso uma solução falsa. Continuamos a poluir e depois vamos pagar para conservar as florestas.

Acreditamos que a única solução para as mudanças climáticas é parar com o uso dos combustíveis fósseis. É claro que não se pode parar de um dia para outro, mas temos de começar. Com estas soluções estamos apenas a atrasar todo um processo que está a criar vários problemas, principalmente no sul global.

A ideia das autoridades é também desenvolver projectos que sejam capazes de gerar rendimentos alternativos à exploração florestal. São florestas que atravessam vários países Angola, Moçambique, Botswana, Malawi e Congo, República Democrática do Congo, Namíbia, África do Sul, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Como é que se chega a um consenso quando há tantos países envolvidos?

Eu acredito que esses países chegarão a um consenso no que refere à distribuição desses fundos. Quanto à aplicação dos mesmos, em Moçambique pode não correr, mas num outro país pode correr. A meu ver, só os Governos podem explicar como é que esses fundos vão ser geridos e distribuídos. Todavia, enquanto se mantiverem estes créditos de carbono, a implementação destes projectos não vai ajudar absolutamente em nada. São discursos falsos, porque temos consciência que verdadeiro problema das mudanças climáticas [ é a utilização dos fósseis] e isto não é nada mais que tapar o sol com a peneira. Temos de começar a cair na realidade, temos de parar com o uso de fósseis. Precisamos sim de proteger nossas florestas, as do Miombo e todas as outras florestas nativas.

Quando se sabe que o corte de madeira constitui um rendimento, de que forma é que se combate este flagelo?

Não estamos a dizer que não se podem cortar árvores. Temos é de ter um plano de gestão-quando as cortamos- e temos de plantar outras, criando essa mudança. Isto porque existem árvores que levam muitos mais anos que outras para crescer e precisamos de saber que madeira vamos utilizar e de que forma. É preciso ter um controlo do corte legal, das licenças e do número de aprovações que existe. Porém, quando há corrupção, sistemas que ninguém está a monitorizar o que sai do país, isso não funciona.

Entre 2008 e 2011 fomos a Cabo Delgado e depois à Zambézia e conseguimos saber qual era o número da madeira exportada para a China, através da informação que o Governo nos deu. Depois fomos à China e, quando lá chegamos lá, os números deles eram muito superiores àqueles que nos tinham dado aqui. Como é que é possível?

Como é que se continua a dar dinheiro para salvar uma floresta que depois parece que não é salva?

Isso é uma pergunta para os dirigentes e para os homens de negócios. Acredito que ninguém está muito preocupado em saber se a floresta vai ou não ser protegida. Eles querem que o sistema dos créditos de carbono prevaleça para continuarem a emitir. Cada país tem um limite e isso é um jogo, no fundo, que não vai resolver nada. Acredito que num país até consigam resolver, que possam evitar as ilegalidades das florestas.

Em Moçambique tem sido muito difícil. Várias acusações, vários relatórios –nos últimos anos- já não sabemos o que vamos fazer. Sinceramente, já nem dizemos nada, porque é uma perda de tempo, porque ninguém faz nada. Está tudo controlado pela máfia, pela ilegalidade e pela corrupção.

Acredita que devia sensibilizar-se a população para a importância desta floresta?

Sensibilizar as comunidades é importante, mas quem vive na zona rural sabe a importância da floresta. Porém, na zona rural a pobreza é enorme e, muitas vezes, quem está no terreno são chineses que dão uma moto-serra e dizem para cortarem um tronco ou uma árvore pelo preço de 10 dólares. A fome faz muita coisa.

O nosso país tem um problema enorme de pobreza e -às vezes a pobreza força a determinados comportamentos, uma vez que não há outro modo de sobrevivência.

Enquanto ouvirmos estes grandes problemas, não vamos resolver nada. O nosso o país tem recebido investimentos enormes em combustíveis fósseis [investimentos que contestamos] e enquanto isso, o último relatório sobre o aumento de pobreza em Moçambique subiu de 46% para 65% em 2022.

Considera que se devem acabar com os subsídios e apostar em alternativas para o fim das energias fósseis?

Essa é a nossa prioridade, associada à conservação das florestas, através de um controle e monitorização legal.

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